domingo, 29 de julho de 2012

A gente começa por arranhar a folha.
Ensaia algum movimento, denuncia e recua:
Titubear é do nosso caráter.

Acabamos escrevendo qualquer coisa num impulso animal.
É o que nosso corpo sabe fazer: achar e dizer.
A vergonha vem depois,
como se exibir palavras fosse doença.

Bolas
Balas
Gotas
Cinzas

É som de chuva.
Esperemos...
Passou.
E só foi aqui,
a lua continua seca,
o céu preto parado.
Estrelinhas
ainda olhando com expectativa.

Só a história andou.
Dançou muda
no tempo.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

De lugares bonitos

Faz uns anos, conheci um rapaz. É difícil eu reparar em beleza de homem, mas, curiosamente, com este aconteceu o contrário; a primeira coisa que pensei ao vê-lo foi: que bonito.

Beleza é uma coisa curiosa: emana; seja de que natureza for. Não sei até onde a beleza é uma relação entre o observador e o observado, ou se é mesmo um objeto, um substantivo concreto. Sei que existe e deixa o mundo mais... cheiroso.

Mas beleza não é necessariamente formal, depende também de outros fatores. Neste caso, da inocência revelada por um olhar curioso, uma vontade de se arriscar ainda que sob muitas incertezas e desejos insustentáveis.

O rapaz era assim: um atrapalhado discreto, cujo doce sorriso delatava sua ignorância decorada com palavras e sonhos. Tinha sempre os olhos úmidos e brilhantes, por onde podíamos ver sua alma engraçada, quase patética; mas um pouco trágica também, é verdade. Ele, no entanto, se amparava muito bem sobre sua coluna vertebral, parecendo confortável sob seus ângulos simétricos. O andar era leve, porém não descontraído; conservava seus movimentos de forma a desenhar um corpo educado e elegante. Poucas vezes recorria a curvas ou dobras em suas poses, que apareciam sobretudo quando descansava do medo de sua ignorância. Aí então, dobrava um joelho sobre o banco, apoiava o cotovelo no vértice da perna e largava a cabeça para trás, preenchendo-a com aqueles sorrisos que agora já demonstravam mais confiança.

A beleza que vi não podia deixar também de conter certa tristezazinha. Ele era do tipo que gostava de um sofrimento para valorizar. Fazia como se fosse experimentado na vida, entendido de muitas passagens e reentrâncias dos sentimentos, mas que nada: era um desesperado que se perdia fácil com um único beijo, e apostava na dor romântica para reencontrar-se como amante. Sofria então das penas que inventava. Mais uma vez: atrapalhado. Um equilibrista de corda bamba a meio centímetro do chão, que emanava beleza, pois; a exata dos perplexos inocentes que respiram poesia.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Bem assim

Quero assim, sem precisões, na paz das vacas.

Quando o mundo só está.

Esta brisazinha quente que anuncia chuva...

Quero assim mesmo, no colocado,
sem demanda, sem caractere.
No eu aqui, você lá, eles por aí,
e nenhuma querência.

Uma preguiça bem encaixada no tempo
dizendo que não há tempo,
pressa dos acontecimentos.

- Se vamos morrer? É claro que vamos. Então para quê urgência?

Só o prazer
de não achar que falta,
de não pensar que devia,
de não querer que fosse.

Quero assim:
no conforto de acordar sem saudade,
sem desejo de alteridade.

No sentimento de ser só mais uma
coisa posta.
Um pedacinho de nada.