segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Instruções para o treinamento do salto.

A única coisa que faz sentido na hora da morte é a vida. E a vida, na hora da morte, é somente a beleza da história de quem vai morrer; a beleza, ou seja, a arte que fez consigo quem vai partir.
É somente nessa hora que damos conta da completa inutilidade da vida, da anti-função, da vida como pura e simples beleza: arte. Por isso penso que o melhor ator para a morte é aquele que se dedica a apurar os sentidos, e não costuma gastar tempo com os protocolos e a ração de papel: ele canta, cuida dos amigos, faz deliciosos bolos de festa, colhe jabuticabas, assisti passarinhos, dança com crianças, não desperdiça ou desdenha gestos e palavras, se interessa por trabalhadores, gosta de novidades, faz balões, nada com golfinhos e ariranhas, brinca de fazer carícias, usa a cabeça para inventar novos tons para sua aquarela e agradece todo dia pela fantástica experiência de poder pintar a vida a bordo de uma nau encarnada. Um minuto antes de morrer, este homem rirá então, feliz, sabendo que se divertiu - e que as crianças terão uma bela surpresa quando encontrarem os docinhos coloridos que deixou escondido pelos cantos da casa. Ele sabe que farão uma festa em seguida.
Todo o mais que não foi sentimento, afeto, sonho e magia ficará; e saibam: sem nenhum propósito nessa hora.

Nenhum comentário:

Postar um comentário