segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Não é coisa de geladeira

- Ahn? Ah, tá, o amor, né?
- Sim.
- Não, eu vou pegar daqui a pouco, mas pode continuar mandando.
(Pausa)
- Estou cansada.
(Pausa)
-Olha, não precisa jogar no meu pé, não! Põe ali no cantinho - Pena que não tem geladeira... - que depois eu pego.
-Eu vou embora.
- Ah, já?! É cedo.
- Estou cansada.
- Ah...então tá bom. Tchau.
- Tchau.
(Ela vai sair)
- Eih, tá tudo bem com você?
- Ahan, tudo bem.
- Não deu muito trabalho colocar lá no canto, né?
- Não.
- Então tá.
- Tá...Tchau.
- Tchau.

Ela vai embora.
Encontra um dia fulano.


- Oi!
- Oi!
- E aí, como você está?
- Bem, na rotina.
- Nossa, eu tive em não sei onde, fiz não sei o quê, ciclano me chamou para isso, para aquilo, ganhei não sei o quê, conheci não sei quem, vou fazer isso, aquilo e mais aquilo outro!!
- Legal! E o amor?
- Ahn? Ah, o amor... Nossa, é verdade, o amor que você me deu, né?...Tá lá em casa...
(Pausa)
- Você quer mais.
- Pô, quero. Se você puder me dar.
- Não sei...
- Ah, eu queria mais, pô! É que aquele lá não deu para aproveitar. Mas você fica à vontade...Eu estou em casa, qualquer coisa...
- Tá bom. Eu vou ver se dar.
- Então, falô!
- Falô...tchau.
- Tchau.

Como uma mãe que continuava a produzir leite mesmo depois do filho ter desmamado, ficava ela a produzir amor por fulano.
No dia em que parou, por cansaço, ele sentiu falta, estava acostumado com o cheiro podre daquele amor desperdiçado a seus pés. De qualquer jeito, aquilo não era tão importante assim, afinal fulano tinha coisas mais urgentes para fazer. Havia pessoas que davam coisas melhores a fulano, coisas que ele apreciava mais, como dinheiro. O amor apodrecido era só um capricho: ele achava gostosinho ela ali em sua casa lançando vida aos pedaços. Gostava do cheiro doce e suave que exalava de seu amor inútil a estragar pelos cantos da casa. Aquele aroma enchia sua vida do insubstituível prazer de matá-la aos poucos por indiferença.


A indiferença:


Pela morte nós perdoamos, não pelo abandono.

Amor arremessado no vazio
Amor
Qual a razão de uma coisa existir sozinha?
Existir para o que não existe, qual a razão?
Fluxo que vai e não volta, por quê?

Um corpo que infla de tristeza por produzir vazios.
Existir para o que não existe,
morte em vida,
viver matado.
Demitida da sociedade aos vinte anos.

Agora faço coisas em vão, nada do que faço me interessa, se aproveita.
Quem ler isto, talvez diga: "Nossa, que coisa clichê! Palavras de uma adolescente frustada - e com frustrações típicas; o pior!"
É verdade, frustrações típicas,...porém tão profundas e verdadeiras.
...

Imagina ele chegando de surpresa. Ela se alegra.
É humilhante amar sozinho.
É aviltante dar, dar, dar, dar,...e ver tudo ficar no chão, aos pés, estragando.
- Simpático da sua parte esse amor todo, obrigado.
- Então pega! Não gosta?
- Ahn?! Ah, gosto sim, é muito bom! Ficarei feliz se puder sempre me dar.
- Sim, farei isso. (Pausa) Mas você não pega!


Acabou.