terça-feira, 19 de outubro de 2010

Pensamentos e sons noturnos

Sei que um dia vou cometer o suicídio. Sinto minhas vísceras cansadas, velhas; elas me trairão cedo ou tarde, mas não será por vingança, será por tristeza. Minhas vísceras são sem esperança; são fortes e disseram que lutariam até o fim mas estão chorando.
Tenho pena do homem que tosse toda a madrugada, o silêncio e sua tosse são a madrugada. A tosse me desespera, que corpo pode suportar tamanha trepidação por horas? Um dia a casa cai. As convulsões são carrascos que açoitam sem pausa, lançam-lhe por toda a sala. Quantos vulcões ainda explodirão desejando me rasgar, me expulsar de mim, quantos eus me odeiam e querem a independência? Sei que um dia me trairei. Eu não sou um reino em paz. Um dia minha pele se abrirá e meus organismos fugirão para a terra, todos eles – toda vida deseja renascer diferente, toda vida deseja novas alianças, novas… –, e eu ficarei oca, sozinha, perdendo, perdendo, perdendo. – Acho que rirei.
Não terei filhos, não ei de salvar-me em outra união, rirei.
O filho é a fuga, a estratégia de salvaguarda dos tesouros, a tradição. Não fugirei, deixarei que tomem tudo o que desejarem, rirei. Quero rir dos açoites, quero que meu organismo não vença, que perca o sentido. Quero que a guerra seja inútil. Pena de mim? Sim.
Procuro uma maneira de entrar sem ver sangue, não gosto de sangue, ele me desespera. Entrar saltando ou entrar dormindo? Hoje eu acordei, não esperava. Eu sempre me surpreendo com minhas vísceras que ainda funcionam; como conseguem? Mas eu disse: elas me trairão, e irão fazer quando eu não quiser porque querem meu sofrimento.
Por que ela me pedia ajuda? Por que ela perguntava o que estava acontecendo? Ela se desesperara. Sofria, sofria muito; como se se afogasse por dias. Torturaram-na. Nunca vi tanta crueldade, dos homens e dos deuses. A vida é má. E eu só tinha amor.
Um dia sei que vou cometer o suicídio. Não me desesperarei, não perguntarei o que está acontecendo, não pedirei ajuda. Rirei e a guerra será inútil.

3 comentários:

  1. ja fiz um comentário e repito, Além da beleza e força do seu texto espero que " A (sua) vida não imite a arte", como dizia Oscar Wilde.
    Franciaco Ferraz - franciscoferraz@globo.com

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  2. Tudo se resolve no texto.
    Como está , Ferraz? Quanto tempo...Ainda dando aulas?
    Abraço.

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  3. Fico muito feliz em sabê-la bem e muito criativa. Continuo dando aulas e palestras. É um velho vicio! E as Ciências Sociais perderam para a arte uma das mais inteligentes estudiosas?

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