quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Morcegos

Falando sério: há animal mais absurdo que morcego? É mamífero, voa, dorme de cabeça para baixo, tem patas, vive no escuro… É um ser da noite e dos buracos, que ainda pode se alimentar de puro sangue quente, dependendo da espécie. – Sob certo aspecto, tem ares de mariposa malígna.
Nem coloridos eles são! São cinzentos, de um preto empoeirado, gasto – são medonhos!
Deus, definitivamente, não estava de bom humor quando inventou o morcego. Devia estar triste, cansado, espirrou, então, algo nonsense no ar.
Observe um vôo de morcego. Eles não voam como pássaros, parecem pesados insetos. Conseguem voar rápido, lento, baixo, alto, em círculos, com mergulhos, mudar de direção velozmente…São afoitos e solitários… mesmo vivendo em bandos… um coletivo de vazios desesperados.
Acho que há pessoas que quando morrem tornam-se morcegos: os invejosos, os mesquinhos, os covardes e egoístas. – E acho que os sádicos e violentos tornam-se morcegos bebedores de sangue.
repararam no som que produzem? Kikihnkrinhknrhkrihnhiknhri….Até isso é pavoroso: fofocam, praguejam, lamentam alienados.
Uma vez, um deles se chocou com o meu rosto enquanto voava arrependido, e em seguida aterrissou desastrosamente no chão. Ele se arrastava com aquele corpinho mole e peludo, aquelas asinhas largadas e sôfregas que tentavam levá-lo novamente para a segurança de alguma escuridão (morcegos não acoplam as asas, tal como os pássaros, nas laterais da barriga, exceto de ponta-cabeça; quando estão no chão, parecem gelatina estragada, não conseguem ficar de pé). É uma cena lamentável, penosa; fico compadecida quando vejo um morcego concretizar toda a tristeza de sua existência ao se expor, tragicamente, no solo. – Inocentes pecadores esses animais que têm medo e vergonha de cair.
Mas ainda não falei da face deles. Sim, eles têm uma face: monstruosa. São cegos, mas possuem minúsculos globos oculares, nariz, boca e orelhas. A feição de um morcego é a de um covarde criminoso capturado, de um grito ensurdecedor cristalizado, de um choro milenar – que começou quando o primeiro traidor apareceu na Terra. – São seres ressentidos, carentes.
Sei que os morcegos não enxergam porque não querem. – Eles não querem ver. Fugiram para a escuridão para não lembrar que sofrem. E nas cavernas, nos forros das casas velhas, nas grutas úmidas, nas construções abandonadas, sempre lá está o sofrimento em forma de gota presa no teto.

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